Para magistrados, não há lei para obrigar as empresas a subsidiar exames.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) e a segunda instância têm negado pedidos feitos por sindicatos para a aplicação de testes de covid-19 em funcionários que atuam presencialmente ou de forma híbrida. As decisões que desobrigam os exames em massa beneficiam bancos, os Correios e concessionárias de metrô.
Os julgadores destacam, nas decisões, que não há lei para obrigar as empresas a subsidiar esses exames, nem comprovação de que a testagem em massa seja eficaz para prevenir ou mesmo reduzir o contágio – embora estudos internacionais, como o publicado na revista científica “Chaos, Solitons and Fractals”, do Reino Unido, sinalizem em sentido contrário. Para eles, medidas preventivas, como o uso de máscaras e álcool em gel e distanciamento social, trazem mais resultado. Além do afastamento de funcionários doentes.
A discussão ocorre em cerca de 1,7 mil ações civis públicas que tratam da obrigação de se fazer o chamado “teste de covid” ou PCR, movidos por sindicatos, segundo levantamento realizado pela Data Lawyer Insights, plataforma de jurimetria.
Uma das decisões contrárias à testagem em massa foi proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Espírito Santo (processo nº 0000 059-57.2021.5.17.0000). Favorece o Banco Daycoval em ação civil pública movida pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários no Estado do Espírito Santo.
O desembargador Mario Ribeiro Cantarino Neto, derrubou liminar por entender que o sindicato não demonstrou qualquer irregularidade “em relação à preservação de um ambiente de trabalho saudável”. Ele acrescenta na decisão que, além da ausência de previsão legal, “não existe comprovação efetiva no sentido de que a testagem em massa possua o condão de prevenir ou mesmo reduzir o aumento do contágio”.
Segundo o advogado Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, sócio do FAS Advogados, que atuou na defesa do banco, a decisão é acertada. “Não existe amparo legal para obrigar as empresas a assumir também esse custo, tampouco para que os empregados sejam obrigados a se sujeitar ao exame imposto. Há medidas muito mais efetivas e menos onerosas, como o home office ou o afastamento preventivo do empregado com sintomas da doença”, diz.
O entendimento também foi adotado pelo corregedor-geral da Justiça do Trabalho, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Ele suspendeu os efeitos de decisão do TRT de Campinas (SP), que obrigava os bancos Santander, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, Mercantil e Banco do Brasil a realizar testes em todos os bancários e colaboradores terceirizados a cada 21 dias, em todas as agências no território nacional.
Na decisão, Corrêa da Veiga considerou, porém, que não há “previsão expressa normativa para tanto” e não se levou em conta “as questões afeitas à disponibilidade e dificuldade na realização dos ditos exames, de notório conhecimento” (processo nº 1000727-19.2020.5.00.0000).
O pedido de testagem foi feito em uma ação civil pública movida pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Estado de Guaratinguetá e Região (SEEB). De acordo com o presidente da entidade, Claudio Vasques, solicitou-se o fornecimento de testes para as agências da região. Contudo, o desembargador que analisou o caso deu à decisão alcance nacional.
Após a decisão do TST, acrescenta, foram realizados acordos individuais com todas as instituições financeiras envolvidas no processo para que forneçam testes para os funcionários que tiveram contato por mais de 15 minutos com pessoas com covid confirmada. O Santander, que recorreu ao TST, confirmou por nota que o processo foi extinto amigavelmente após um acordo com o sindicato de Guaratinguetá.
A Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) também conseguiu decisão para não ter que testar, a cada 21 dias, todos os empregados pelo período em que os decretos estaduais de enfrentamento da pandemia perdurarem. Foi proferida pela 1ª Seção de Dissídios Individuais do TRT do Rio Grande do Sul. No caso, já não cabe mais recurso. O processo (nº 0020639-82.2020.5.04.0331) foi movido pelo Sindimetrô-RS, que representa os metroviários.
De acordo com a decisão, “ainda que os empregadores tenham o dever de tomar medidas para a preservação da saúde de seus empregados, mormente em face da pandemia da covid-19, a aplicação de testes em todos os empregados, na periodicidade de 21 dias, não tem previsão nos regramentos municipal, estadual e federal para o combate à crise, além de extrapolar o limite da razoabilidade, ao impor à impetrante medida sequer adotada pelo poder público”.
Por nota, a Trensurb afirma que a decisão do TRT reconheceu que as medidas adotadas pela empresa são satisfatórias, “atendendo ao que se espera dos empregadores no contexto da pandemia”. Entre as medidas, destaca a contratação de um serviço de triagem e testagem rápida para covid-19. “Desde julho, cerca de 560 testes rápidos foram aplicados aos empregados”, diz a nota.
A empresa ainda lista no texto outras medidas, como fornecimento de máscaras de proteção e álcool em gel e antecipação do horário de fechamento das estações, das 23h20 para as 22h, além de medidas para o distanciamento social, como a priorização de reuniões por meio remoto.
Para a advogada trabalhista Juliana Bracks, do Bracks Advogados, as decisões estão corretas porque realmente não há obrigatoriedade de se fazer testagem em massa. “Mas também não há proibição”, acrescenta.
Ela afirma que tem clientes, por exemplo, que optaram por pagar o exame para trabalhador que teve contato com alguém com covid-19. “Nesses casos, a empresa tem o direito de fazer o teste para que ele possa trabalhar, caso dê negativo.”
Procurado pelo Valor, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários no Estado do Espírito Santo não deu retorno até o fechamento da edição. A reportagem não conseguiu contato com o Sindimetrô-RS.
Fonte: Valor Econômico
Publicada em: 22/03/2021