TST pode julgar vínculo entre Uber e motorista em repetitivo

Só na Corte superior, há 342 processos sobre vínculo de emprego com plataformas do tipo

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) poderá definir, por meio de recurso repetitivo, se há vínculo de emprego entre a Uber do Brasil e motoristas. A possibilidade foi levantada ontem em julgamento de dois casos pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) — órgão responsável pela uniformização da jurisprudência das turmas do TST.

O pedido para levar a questão ao Pleno e tornar a decisão vinculante, por meio de repetitivo, foi do ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga. “Senão vamos ficar o resto da vida julgando essa matéria no tribunal”, disse o julgador.

No julgamento, suspenso posteriormente por pedido de vista, foram apresentados números que mostram a dimensão do problema. Só no TST, há 342 processos sobre reconhecimento de vínculo de emprego com plataformas como Uber, 99, Cabify, IFood, Loggi e Rappi.

Em toda a Justiça do Trabalho, há 16.149 processos, segundo levantamento feito pela Data Lawyer Insights a pedido do Valor. O valor total das causas chega a R$ 1,74 bilhão.

Do total de processos, cerca de 5 mil aguardam resultado e 4.398 foram resolvidos em acordo — medida considerada estratégica por especialistas para evitar a formação de jurisprudência desfavorável. Cerca de 3 mil pedidos de motoristas foram negados, 149 julgados procedentes e 1.799 parcialmente procedentes. Os demais tiveram outras soluções por questões processuais.

Os dois casos em pauta no TST são recursos apresentados a decisões divergentes dos ministros. Num deles, julgado em fevereiro de 2020, a 5ª Turma acolheu recurso da Uber e julgou improcedente o pedido de vínculo de um motorista de Guarulhos (SP).

A decisão levou em conta, entre outros pontos, que a possibilidade de o motorista ficar off-line indica flexibilidade para determinar rotinas e horários de trabalho. Para os ministros, essa autodeterminação seria incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação.

Já o outro julgamento é da 3ª Turma. Os ministros entenderam que o caso, que envolve motorista de Queimados (RJ), reunia os elementos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para caracterizar vínculo de emprego. Em abril deste ano, a maioria do colegiado considerou que há pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação por meio do algoritmo.

Em sustentação oral, o advogado da Uber, Estevão Mallet, afirmou que não existe precedente do Tribunal de Justiça da União Europeia que afirme a existência do vínculo. Ainda segundo ele, o TST deve levar em conta que as atividades da Uber geraram entre 2014 e 2020 um total de R$ 70 bilhões em renda para os motoristas. E mais de R$ 4 bilhões foram recolhidos em tributos, acrescentou Mallet.

Votos

No julgamento, apenas a relatora de um dos processos, ministra Maria Cristina Peduzzi, votou, e de forma favorável à Uber. Ela destacou que as avaliações de desempenho dos motoristas são dadas pelos usuários do aplicativo e que os profissionais têm liberdade de fazer seu horário, sem precisar informar à empresa quando estavam ou não trabalhando.

“Há vantagens para o trabalhador autônomo consideráveis nessa sistemática. Uma das vantagens é o aumento considerável à oferta de trabalho remunerável”, afirmou a ministra, citando também a possibilidade de maior remuneração, de diversificação de fontes de renda e de ter autonomia para recusar um serviço específico.

Após o pedido do ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga para levar a questão ao Pleno, o julgamento foi suspenso para que possa ser avaliada essa possibilidade. No julgamento, ele destacou que 122 milhões de pessoas solicitam os serviços da Uber, segundo dados de agosto de 2022, e que há mais de 5 milhões de prestadores de serviço.

Segundo o advogado Daniel Chiode, sócio do Chiode Minicucci Advogados, parece acertado, pelo impacto da discussão, levar o tema ao Pleno. “Levar ao Pleno permite que outros atores sociais entrem no debate, como a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], Ministério Público e associações de classe”, disse.

Ricardo Calcini, professor de direito do trabalho da FMU, lembrou que é vedado ao TST o exame da matéria fática do processo, mas não é proibido fazer o reenquadramento jurídico correto dos elementos probatórios. “O ideal é de fato aguardar os demais votos a serem proferidos por ministros e ministras, até para saber se o TST resolverá a questão do ponto de vista processual ou se a controvérsia terá um ponto final a ser emitido pela SDI-1.”

Fonte: Valor Econômico
Publicada em: 6/10/2022

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Sobre mim

Ricardo Calcini é uma das maiores autoridades brasileiras na área das relações trabalhistas sindicais. Tem forte atuação acadêmica, além de coprodução de artigos e livros jurídicos.

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